27 de octubre de 2006

Pérez Barreiro en Lugares - Revista de Arte Contemporáneo

11.08.2006
Terceira Margem

Gabriel Pérez-Barreiro é curador da coleção de arte latino-americana do Blanton Museum of Art, em Austin, no Texas, e doutor em História e Teoria da Arte pela Universidade de Essex, na Inglaterra.

Recentemente, foi convidado para ser o curador-geral da 6ª Bienal do Mercosul, que será realizada de setembro a novembro de 2007, em Porto Alegre. As linhas gerais de seu projeto já estão definidas. O tema da Bienal será trabalhado em cima da metáfora da Terceira Margem do Rio, inspirada no conto de Guimarães Rosa.

As mostras serão dividas em quatro capítulos e serão compostas de: Exposições Monográficas, a convite dos curadores; Conversas, exposições que exploram a geografia cultural através de relações específicas entre obras de arte; Zona Franca, composta de projetos selecionados por curadores internacionais; e, Três fronteiras, em que artistas internacionais serão convidados a fazer residências na zona das três fronteiras.

Além disso, o projeto pedagógico terá especial atenção e contará com um curador específico para o projeto, além de ter programas desenhados por artistas.

Conheça mais sobre o projeto.

No semestre passado, o Blanton Museum inaugurou a sua nova sede. Qual é a sua avaliação sobre o impacto causado pela abertura?
Foi ótimo. Superou as expectativas. Tivemos uma resposta do público muito positiva. No final de semana de abertura recebemos cerca de 12 mil pessoas. A gente fez uma abertura de 24 horas, das 9 horas da noite de sábado até 9 horas da noite de domingo. Às três horas da manhã, havia pessoas esperando duas horas para entrar no Museu. Mas esperando bem, contentes com a noção de participar. A resposta de imprensa foi muito boa. Realmente foi interessante, porque esse Museu, que tinha sido Museu universitário e cerca de 90% público era universitário especializado, virou um museu da cidade e de toda a área do Texas. O povo sentiu que chegou o Museu deles. Isso foi todo um trabalho que levamos dois anos preparando, toda uma campanha de re-enfocar, com mudanças de estratégias de comunicação, de políticas de exposição, de interpretação. Foi muita preparação que deu certo. Na abertura, fizemos também, a partir do Departamento Latino-americano, um simpósio, que foi um grande sucesso. Houve discussões muito boas e uma resposta muito positiva. Então, eu sinto que começou uma etapa na vida do Blanton com essa abertura.

Na abertura, o Museu propôs uma nova leitura das relações da arte latino-americana produzida contemporaneamente. Como você vê a arte latino-americana no contexto internacional?
O simpósio foi uma parte de um projeto curatorial maior, que era justamente o questionamento de como podemos falar de geografia e de cultura. Essa era a pergunta geral. Isso está colocado de forma mais clara na forma da apresentação da Coleção, de que eu falei na outra entrevista para o site, que justamente procura falar de uma geografia cultural e não de uma geografia política. Estamos acostumados a pensar em todo mundo a partir de determinados tipos de mapas econômicos, mas a cultura é um outro mapa. É uma outra informação, são outras as fronteiras e são outros os diálogos. Então, a instalação da Coleção tenta dar conta dessa realidade, integrando a arte latino-americana à de outras regiões, onde tem sempre um diálogo possível, real entre os artistas.
O simpósio era uma tentativa também de continuar essa pergunta e tem uma coisa que, para mim era muito importante, que é uma ampliação do discurso no campo latino-americano. É um campo que tem poucas vozes e que o discurso, para mim, é um discurso antigo. Por exemplo, toda essa questão da identidade, de vitimização, de nós contra o resto, ou seja, essa postura binária que não dá mais, a circulação é outra. Então, mais ou menos metade dos convidados era artistas. É o primeiro simpósio, que eu vou, de arte latino-americano que tem essa possibilidade de diálogo entre um diretor de museu, um curador de museu, um historiador de arte e um artista, quer dizer, todas essas vozes falando de assuntos muito específicos. E isso vai ser refletido nessa Bienal, que também tem uma maior participação, que tem outros tipos de vozes e se está procurando outros tipos de conexões, de relações a partir da cultura.

Vamos conversar um pouco sobre a Terceira Margem do Rio, que é o tema da sexta Bienal. Como esta proposta será constituída? Como será criada a terceira margem?
Acho que todos nós estamos numa terceira margem. Sempre que você tem uma situação de duas opções e escolhe uma terceira, ou olha criticamente as duas, você está constituindo uma terceira margem. Então, é uma metáfora que funciona em muitos sentidos. Por exemplo, esse assunto de local e internacional é uma terceira margem, você está sempre em vinculação com o lugar local, mas também tem referências internacionais.
O fato de Porto Alegre estar exatamente no meio entre São Paulo e Buenos Aires, para mim, é uma terceira margem. É um lugar que não é uma capital nacional, mas é uma capital cultural. E o fato dessa Bienal ser chamada do Mercosul e tentar trabalhar uma realidade internacional, isso constitui uma excelente metáfora de uma terceira fronteira. Ou seja, está-se atravessando fronteiras políticas para buscar, procurar, comentar uma identidade ou um diálogo regional. Eu acho que isso é muito importante.
Vai ter uma terceira margem em vários dos artistas que serão escolhidos, que são os que não pensam que a arte tenha que ser figurativa ou abstrata, social ou formalista. Estamos escolhendo, por exemplo, na parte de exposições monográficas, artistas que de algum jeito quebraram isso, quebraram a expectativa, formaram um lugar próprio, que redefine essas duas possibilidades e cria uma terceira, uma coisa que a arte faz.
E, também, a parte do visitante, o projeto pedagógico vai ser uma prioridade nessa Bienal, tem muito a ver com isso. A criatividade do visitante é um terceiro lugar. Você tem a obra de arte, você tem o público, mas tem um lugar de encontro, que é ativar a experiência do visitante e isso cria uma terceira margem.
Então, é uma metáfora que funciona de muitas maneiras diferentes dentro da Bienal. Por isso, eu insisto que não é uma temática, é uma metáfora.

Faz parte de seu projeto levar artistas para o interior do Estado e talvez fazer exposições lá. Como vai ser?
Vários projetos são o olhar do Mercosul, por isso é que internamente estamos chamando de Bienal desde o Mercosul, que é essa idéia de como é visto o mundo a partir deste lugar. Mas se você faz isso, tem que fazer uma contrapartida, que é o olhar do mundo para o Mercosul. Então, vamos convidar artistas internacionais para fazer uma pequena residência na zona da tríplice fronteira, que é a área, que em muitos sentidos, é o coração do Mercosul. Se você olha para a colonização jesuítica, você já tem uma estrutura transnacional, que entra em conflito com a formação de nação/estado, naquele momento. E, olhando assuntos ecológicos, tem a Itaipu, a distribuição, as negociação de países, tem toda uma corrente de água que tem a ver com a própria metáfora do rio. Tem também o assunto do comércio, lá é um lugar de comércio legal e ilegal muito interessante. Então, tem assuntos que tocam o coração da questão e que seria muito interessante ver o olhar de fora de outros artistas, que talvez tenham trabalhado com fronteira, com identidades em um outro contexto. E essa confrontação, esse diálogo entre uma realidade local e um olhar internacional vai produzir essa terceira possibilidade que é uma obra de arte, que vai será apresentada aqui na Bienal do Mercosul.

Quando você fala de artistas, está se referindo a artistas que produzem na América-latina ou é uma visão mais ampliada?
Todos os projetos têm uma vinculação direta estrutural com o Mercosul, com a região do Mercosul tradicionalmente definida. Mas é só o começo para um diálogo sem limites internacionais. A Bienal do Mercosul não vai virar uma bienal globalizadora de uma edição para outra. Eu acho que seria um erro fazer isso, porque tem muitas que fazem isso. Tem um monte de bienais que basicamente é a mesma bienal, repetida em diferentes partes do mundo. Existe um consenso internacional de artistas que só fazem isso. Eu acho que não tem sentido fazer isso aqui. Acho que aqui é um lugar intermediário, uma terceira margem, entre uma bienal basicamente definida regionalmente que foi a Bienal até agora, com uma estrutura de representantes nacionais, para um olhar internacional. Mas esse olhar internacional poderá ser vinculado com a realidade local. Então, esse é o modelo dessa Bienal. Isso supõe uma internacionalização, mas desde o Mercosul para o mundo.

O seu projeto prevê artistas atuando como curadores e também fazendo propostas para a Ação Educativa. Como será composta a equipe de curadoria para esta Bienal?
A curadoria é que estabelece o marco conceitual do projeto. Mas uma coisa para mim muito importante na prática curatorial é que a arte não vire uma ilustração. Eu acho que, muitas vezes, e isso é uma crítica que eu faço ao sistema curatorial, a proposta é um texto e as obras de arte são ilustrações. Eu acho que isso limita radicalmente a potencialidade da arte e limita a possibilidade do público ter uma interação aberta, interessante, estimulante e criativa com os trabalhos. Por isso, todos os projetos, que estão aqui, tem um elemento gerativo. Não são exposições temáticas. São exposições de diálogo, de trabalho. Você começa a discutir, aí entra uma voz, entra outra, a última voz que entra é a voz do visitante para completar esse processo. Para mim isso é muito importante. E o artista é quem faz isso, porque realmente um artista é um agente de recepção e de transmissão muito ativo, que vai criando cultura, que vai gerando cultura, que vai formando as suas próprias relações – o curador entra em diálogo com esse processo. Para mim o papel do curador é esse, é dialogar com o artista, entender, traduzir, explicar e essa relação é que vai ser o coração de toda a proposta curatorial.

Como será constituída a sua equipe de curadores?
A equipe vai ser lançada em breve. É uma equipe internacional, uma equipe de luxo, porque tem nomes muito respeitados. Eles vão trabalhar de forma integrada dentro dessa estrutura de exposição. Ou seja, o meu projeto é armar essa estrutura e depois eu convido as pessoas para irem desenvolvendo esse trabalho e a exposição final vai ser o resultado dessa negociação.

Quais são os principais desafios de estar fazendo o projeto dessa Bienal?
São vários. Eu estou chegando numa Bienal muito consolidada. Isso é importante. Quer dizer que eu não vim aqui para uma mudança muito radical, eu acho que é uma evolução. Estamos colocando uma reflexão sobre tudo o que conseguiu a Bienal anterior. Por exemplo, a área pedagógica é uma já existe e que a Bienal do Mercosul tem feito um trabalho muito importante nessa direção. A gente está mudando um pouco o conteúdo, a estrutura disso, ampliando um pouco essas experiências e não fazendo uma coisa totalmente nova.
Os desafios são, primeiro, o tempo, tem um ano até abrir, então, estamos trabalhando muito nesse sentido. Além disso, o desafio, para mim, em qualquer atividade artística é que você arma um projeto, mas como você faz para que quem chega nesse projeto entender, desfrutar e estimular o visitante? Há muitas exposições, muito exemplos, muitas bienais, muitos museus, que você fica perto da saída e você vê que as pessoas estão passeando, não estão olhando mais, chega a um ponto de saturação, que eles estão cansados, estão só procurando a saída. Eu acho isso uma pena, porque você faz um investimento desse tamanho, que é fazer uma Bienal, investimento econômico, de pessoas, de muitas coisas, e é muito importante não esquecer da experiência final. Isso é um grande desafio. Na hora de produzir é fácil de esquecer como vai ser exatamente esta experiência, como você vai facilitar para o visitante ter uma boa experiência com isso.
E, no pessoal, eu estou trabalhando em um país que eu não moro. Eu vou começar a passar muito mais tempo aqui, mas tudo isso é uma coisa nova, uma outra língua, uma outra cultura de trabalho, mas até agora está funcionando bem.

http://iberecamargo.uol.com.br/content/revista_nova/entrevista_integra.asp?id=168

No hay comentarios.: